Por Marcos Alencar 13/10/23 marcos@dejure.com.br
Fiquei surpreso com a notícia do site TRT2 de São Paulo, ao determinar (numa ação civil pública, movida pelo Ministério Público do Trabalho) que a Empresa de entregas Rappi, contratasse todos os trabalhadores como empregados.
O Acórdão (a decisão) possui 37 laudas.
No site do conjur, se tem acesso ao Acórdão – https://www.conjur.com.br/2023-out-12/trt-manda-rappi-anotar-carteira-trabalho-entregadores
O critério do julgado:
– comprovação de filiação do trabalhador ao aplicativo da reclamada pelo lapso mínimo de seis meses, entre os anos de 2017 a maio de 2023, sendo que, dentro desse lapso, o trabalhador deverá ter atuado em favor da reclamada, no mínimo, em três entregas, em três meses diferentes
– Confirmada pela liquidação complementar a filiação do(s) trabalhador(es) ao aplicativo reclamado, a origem deverá intimar a reclamada para efetuar a anotação da CTPS dos trabalhadores no lapso máximo de trinta dias da apresentação da CTPS nos autos, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador que não tenha o contrato devidamente anotado;
– A multa, caso se faça necessária, será dirigida ao próprio trabalhador prejudicado pela impontualidade da reclamada no atendimento do comando decorrente desta decisão
– Condena-se, assim, a ré ao pagamento (que não está limitado pelo artigo 223-G da CLT, voltado para ações individuais) de 1% do faturamento dela em relação ao ano de 2022, como valor, razoável e proporcional, à lesão coletiva perpetrada pela contratação de empregados sem a anotação respectiva da CTPS dos obreiros. A indenização será revertida ao FAT.
A decisão foi unânime.
MINHA OPINIÃO:
Minha posição é muita clara. Não vejo como considerar empregado, um trabalhador que trabalha quando quer e bem entende.
Ademais, quando nesta relação entre trabalhador e aplicativos, nunca vi nenhuma punição por ausência.
O ato de trabalhar quando se bem entende, cai na vala da “ausência total de subordinação”, ou seja, o trabalhador para ser empregado, ele precisa cumprir ordens e estar subordinado.
Não vejo isso nessa relação.
A crítica – que também não é novidade – que faço contra este tipo de pensamento, é que isso – na verdade – parte de uma cultura ideológica protecionista da classe trabalhadora, por uma parcela significativa do Judiciário trabalhista..
Esta hiperproteção é tão acintosa, que as pesquisas comprovam que 80% dos trabalhadores de aplicativos, não querem ser empregados.
Quanto a este caso concreto, vejo um absurdo na decisão, que é o reconhecimento de vínculo de todos os trabalhadores sem que nenhum deles tenha provocado o Poder Judiciário.
A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, claramente, extrapola a sua competência ao condenar – de forma anônima – o reconhecimento de vínculo de emprego, com pessoas que sequer acionaram o Poder Judiciário ou sabemos quem são. !??!
O Ministério Público do Trabalho também não tem competência e nem capacidade para substituir estes trabalhadores, isso é mais uma aberração jurídica, na minha opinião.
O Ministério Público do Trabalho pode sim mover a ACP – Ação Civil Pública, para que uma determinada Empresa fique proibida de contratar pessoas; de exigir que a contratação seja no modo previsto na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, mediante multa, etc., porém, não há lei que permita que o Ministério Público do Trabalho substitua – individualmente – cada trabalhador na busca do reconhecimento de um vínculo.
Se eu estivesse inserido nesse contexto, eu me declararia autônomo e contrário a anotação da minha CTPS, pois na verdade eu não me consideraria empregado. E ai? O Acórdão da 4 Turma ia me obrigar a ser empregado, mesmo eu confessando que nunca fui? que jamais fui subordinado e que trabalhava quando bem entendia?
A palavra é forte, mas essa condenação – entre várias – é a maior aberração jurídica que já me deparei em décadas de militância.
Mas os absurdos não param por aqui (sempre, considere leitor, que isso é a minha opinião), temos ainda a extensão da condenação ao reconhecimento de vínculo (genérico) com um critério que é estranho à CLT e o que é mais grave, já prevendo uma multa elevadíssima de 10 mil reais por pessoa, revertida em favor do próprio trabalhador.
Realmente, estamos vivendo tempos estranhos! O Ministro Marco previu isso.
Na minha opinião, há também um abuso da condenação, porque se vai muito além dos limites da legalidade, do contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 5, II, LV, 37 caput, da CF).
Ora, condenação ao reconhecimento de vínculo de emprego tem que ser caso a caso, mediante uma instrução processual, com uma v. Sentença personalíssima, nunca dessa forma.
Sinceramente, não foi isso que aprendi no meu básico de direito e nem nas cadeiras de direito do trabalho que cursei!
É importante deixar registrado, que a 55 Vara do Trabalho de SP julgou o caso como improcedente.
A causa dessas decisões ilegais, é a falta de uma legislação própria que regule o trabalho em aplicativos. As empresas não se mexem nesse sentido e agora começam a amargar condenações (talvez!) bilionárias.
Vamos aguardar o TST reformar tudo, ou, o STF agir pela via da reclamação, para numa canetada monocrática, anular mais um processo.