Por Marcos Alencar marcos@dejure.com.br 29/09/21
Em 30 anos da minha existência profissional, nunca vi uma decisão tão arbitrária e ilegal, como aconteceu com o julgamento do Recurso Ordinário do processo 0020750-38.2020.5.04.0405.
De ofício, quer dizer sem nenhum pedido, sem nenhuma provocação! – o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), através da sua 8ª Turma, e, por unanimidade, condenou a UBER ao pagamento de dano moral coletivo no importe de 1 milhão de reais.
Isso é muito grave e abre um precedente terrível contra a isenção e imparcialidade da Justiça do Trabalho. Faço votos que a UBER recorra e consiga reformar esta decisão, porque hoje é contra a UBER (esse tipo de absurdo), e amanhã, poderá ser contra quem?
Na minha opinião a decisão é grave e totalmente ilegal, pelos seguintes motivos:
- A Justiça do Trabalho não tem competência e nem autorização da Constituição Federal de 1988, para acusar e julgar ninguém; O Juiz só tem o poder de julgar. A 8a Turma do TRT 4, violou claramente este princípio e competência funcional;
- Só tem quem tem poder de mover uma Ação Civil Pública, cobrando danos morais coletivos, é o Sindicato de Classe ou o Ministério Público do Trabalho; Se isso ocorrer, caberá ao Poder Judiciário, analisar o pedido e julgar o caso. Não existe pedido neste sentido no processo;
- O caso é tão absurdo e insano, que se fixa um dano moral coletivo de 1 milhão de reais, numa ação movida por um trabalhador no “rito sumaríssimo” que tem teto de 40 salários mínimos;
- O Tribunal não tem poder de criar e nem de inventar pedido. Não existe pedido na Reclamação Trabalhista relativo a dano moral coletivo e nem a dumping social; Isso viola também o direito de defesa da UBER, porque sem pedido a mesma não fez defesa. Portanto, o julgamento foi também um ato de covardia, ao julgar a empresa sem permitir que a mesma se defendesse;
Em síntese, repito, jamais vi em toda a minha história profissional um ato de tamanha violência jurídica. Confesso que li e reli várias vezes o julgamento, para acreditar no que estava vendo.
A minha posição em relação aos trabalhadores de aplicativos, não apenas o UBER, sempre foi contrária ao entendimento de que estes trabalhadores são celetistas. Ora, não existe subordinação e nem pessoalidade, portanto, não são empregados, porque existe o direito de opção, de se trabalhar quando quer e se bem entende.
Apesar disso, sempre defendi que o Congresso Nacional precisa – urgentemente – criar uma legislação específica para regular o trabalho em aplicativos, seguindo modelos (exemplos) como a lei do “Salão Parceiro” e a lei dos Representantes Comerciais.
Estes profissionais não são regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, não são empregados, porém, merecem possuir direitos mínimos assegurados por Lei. Na medida em que a UBER e outros aplicativos deixam a situação a mercê da sorte, não fazem a hora e esperam acontecer, permitem esse tipo de decisão arbitrária e ilegal.
Se houvesse uma legislação específica, atos arbitrários dessa natureza não aconteceriam, porque o Judiciário tenderia a aplicar a lei e não a criar lei.
O Poder Judiciário não tem autorização da Constituição Federal de 1988, para criar lei e nem para fazer o que fez nesta decisão que estou aqui criticando severamente. Isso é uma aberração jurídica e um desserviço ao País.
Na medida em que a Justiça do Trabalho não respeita a Constituição Federal de 1988, também não se dá ao respeito e permite que vozes de “por fim a sua existência” ganhem corpo. Quem mais defende o fim da Justiça do Trabalho baseia-se nesses atos arbitrários como este.
A Justiça do Trabalho desempenha um excelente papel perante a sociedade brasileira (minha opinião), porém, há focos de péssimos exemplos que denigrem toda essa imagem, o que é lamentável. Uma gota de veneno estraga litros de boa água.
Segue o link da reportagem do BRASIL DE FATO e do CONJUR que traz o corpo do julgamento que aqui me refiro, com tremendo pesar, pois é inacreditável que algo dessa natureza aconteça em pleno 2021.